sábado, 3 de abril de 2010

A Vila e o Mito da Caverna


O filme A Vila (The Village) possui algumas características semelhantes ao Mito da Caverna, ou a alegoria da caverna, narrado por Platão no capítulo 7 do livro A República.

O mito da caverna consiste na apresentação hipotética de homens amarrados às correntes no interior de uma caverna desde o nascimento. Esses homens não conseguem enxergar outra coisa além de sombras projetadas nas paredes da caverna advindas da parte externa, juntamente com os sons que ocorrem do lado de fora. Não conseguindo nem sequer observar os companheiros de clausura, esses homens julgam as sombras de homens e pássaros projetadas na parede como sendo a própria realidade das coisas.

Certa vez, um dos homens consegue se libertar das correntes e sair da caverna. Depois de deparar-se com a realidade, o homem retorna ao interior da caverna e tenta descrever para os seus companheiros a verdadeira realidade que encontrara. Ele tem certa dificuldade em narrar aos seus companheiros de clausura porque estes não possuem referência alguma do que está sendo dito.

Esta estória nos apresenta, metaforicamente, a saída da ignorância para a conquista do pensamento racional. Para Platão, há dois mundos: o Mundo das Ideias e o Mundo das Sombras, ou Mundo dos Sentidos. Segundo ele, para atingirmos a racionalidade, devemos nos abster, paulatinamente, dos nossos sentidos, pois estes nos fazem enxergar o mundo de uma forma errônea.

O filme A Vila (The Village) conta a história de um grupo de pessoas cansado do estresse e das conturbações da vida moderna cotidiana que recria uma vila típica de 1897 isolada do restante da civilização contemporânea. Estas pessoas, conhecidas como sábias ou anciãs, transmitem aos mais jovens a ideia de que há monstros perigosos para além da floresta, a fim de manter a farsa velada.

Ora, esses habitantes da vila, enganados pelos mais velhos, são como os homens acorrentados como descritos por Platão. E, assim como Platão acredita que os sentidos nos afastam do pensamento racional, no filme, os anciãos reforçam a ignorância dos mais jovens quando despertam os seus sentidos através do medo. Como por exemplo, a aversão à cor vermelha e o aparecimento dos animais abatidos.

Ironicamente, a única personagem que consegue descobrir o segredo da fictícia vila é uma deficiente visual, Ivy Walker, mostrando-nos que os sentidos não são necessários para a conquista da racionalidade. Algo não muito diferente do que propunha Platão há milhares de anos atrás.

Por: Jurdiney Pereira Junior

Livro:
A República, Platão - séc. IV a.C.

Filme:
The Village, dir. M. Night Shyamalan. - 2004

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Concordo com sua análise, mas tem uma coisa intessante: "Theo" pode ser visto como "deus", "visão", "luz" e é um prefixo para "teoria".
    Porém você citou algo que sempre me fascinou: nos mitos, como de o de"Thirésias" o profeta é cego, todos os profetas...Édipo só se redime quando fica cego...gostaria que você falasse sobre isto, como também se você vê diferença entre o "ver" e o "olhar".

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  3. "A única que consegue descobrir o segredo da Vila"

    Não acho que ela tenha descoberto o segredo... Exatamente por ser cega é que ela foi mandada para fora, pois só ela poderia ir e voltar sem revelar aos outros a farsa montada. A cega era a opção de menor perigo para os mentores da Vila.

    O único que descobriu o segredo da vila foi o doente mental.

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  4. Isadora, o Sr. Walker conta para a filha tudo sobre a farsa. Ela descobre o segredo, sim. O que acontece é que, quando o pai conta a verdade, ele põe um adendo de que haviam boatos e rumores antigos sobre as tais criaturas. Isso serve para a história não perder seu clímax muito antes do final, pois ela ainda carrega uma pequena credibilidade, que se solidifica de vez na aparição da suposta criatura que ela mata.

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